segunda-feira, 12 de abril de 2010

Estudo de caso na Academia - A Rainha


O principal “pecado” do folclore tem sido o notório desconhecimento e falta de respeito pela cultura do povo, a ausência de um trabalho de pesquisa sério e análise das recolhas no contexto histórico e social em que se insere, mesmo de um estudo comparativo com outros cancioneiros. Representar o passado sem mostrar empenho em conhecê-lo tem originado verdadeiras barbaridades. Em Paço dos Negros, que é ainda um manancial a descobrir, que é o caso que nos interessa tratar, mas não só.

Hoje vamos analisar uma bonita melodia, por nós recolhida em Paço dos Negros, que é dançada pelo Rancho Folclórico da Casa do Povo de Almeirim, com o título: Lá vem a rainha e que, como homem do povo, nos deixa maltratados. Consta, incompleta, das valiosíssimas recolhas de Álvaro Pina Rodrigues.

Nesta moda, é notório que as duas quadras de que originalmente seria composta relatarão um facto histórico: A partida da Família Real para o Brasil. Não serão de origem genuinamente popular.

Clique para ouvir: La vem a rainha
 Almeirim

Eu sou aquela mulher
Que do mar trouxe a rainha (2)
Lançar as velas ao vento
Leva a vela direitinha (2)

Clique para ouvir: A rainha
Paço dos Negros

Quem foi (é) aquela mulher (galera?)
Que no mar leva a rainha (2)
Deitou os olhos ao mar
Lá vai ela direitinha (2)

Almeirim:
Leva a vela direitinha
Não vá a barca encalhar (2)
Lá vem a nossa rainha
Por sobre as águas do mar (2)

Paço dos Negros:
Lá vai ela direitinha
Não vá a vela tombar (2)
Lá vai a nossa rainha
Sobre as águas do mar (2)

Num processo popular criativo e evolutivo normal, terão sido adaptadas e, introduzindo-lhe um refrão, dançadas pelo povo. Com o decurso do tempo foi-se adulterando até chegar a:
Eu sou aquela mulher
Que do mar trouxe a rainha
Ambos os casos cantam no primeiro verso, esta “mulher”: No caso de Almeirim, “Eu sou aquela mulher”, no caso de Paço dos Negros, "Quem foi aquela mulher", o que não sendo uma canção religiosa, tira todo o sentido ao verso quando, na segunda quadra, em ambas, aparece por exemplo: “Lá vai (vem) a nossa rainha/por sobre as águas do mar.”

Com pequenas diferenças entre elas, o discurso alterna, ora no passado, ora no presente, facto que nas recolhas populares é frequente, sem contudo desvirtuarem o essencial.
É manifesta a representação de factos inverosímeis (uma mulher que trouxe a rainha?) e torna ininteligíveis o que denota serem factos históricos. Sem questionamento. O que empobrece a cultura popular e por vezes deixam o folclore pelas ruas da amargura, afastando novos amantes, pois mais parecem tolinhos que estão ali numa representação circense, sem saberem a razão porquê.
Linguagem popular, sim, quanto mais melhor, mas alienação e deturpação não.

HIPÓTESE ACADÉMICA: Não será o termo GALERA que ali foi roubado?

QUEM É AQUELA GALERA/QUE NO MAR LEVA A RAINHA...O povo que todos os factos históricos cantava (que tentou embarcar), não nos levará ele ao ano de 1807, que durante dois dias viu a Corte, e dezenas de navios, ficarem a pairar no Tejo, à partida da Rainha e do príncipe regente para o Brasil?
Lá vai a nossa rainha
Por sobre as águas do mar

É uma hipótese que a Academia da Ribeira de Muge vai continuar a investigar.

Recado: um elemento desta Academia (futura) acaba de receber três chaves do Paço, do sr. Vereador da Cultura da Câmara de Almeirim, para ali poder ensaiar. Mas esta Academia que dizer ao sr. Vereador, que sendo um princípio, é insuficiente, se há alguém em Paço dos Negros que merece ser guardião das chaves da Paço, essas pessoas estão nesta Academia, todas, pois não aceita ser discriminada em relação a outros que o que têm feito pelo folclore e pela cultura de Paço dos Negros e da Ribeira de Muge, é servirem-se do trabalho de outrem. Caso das danças, recolhidas, criadas e ensaiadas, magnificamente, pela Gina, e das letras das músicas de que esta senhora é a única autora. Em próximas actuações espero ver por este grupo de dança e música popular, de autor, anunciada a autoria das letras, sob pena de estarem a cometer um possível crime de usurpação. Facto que já aflorei no post anterior.
Peço ao sr. Vereador, que está tratando este caso das chaves de modo errado, roçando a traição e a cobardia, pois bastava dar uma ordem, e as chaves que haviam sido atribuídas pela própria Câmara, decerto seriam entregues de imediato por quem as detinha. Se alguém detinha chaves “ilegalmente?”, seriam precisamente os seus favorecidos.
Sr. Vereador quer um conselho? Deixe-se de actuar fazendo rapapés à fama e às palmas fáceis e ignorantes, em detrimento do trabalho isento, do estudo e da investigação e o concelho de Almeirim ganhará e voltará a ser grande e respeitado.