sábado, 31 de outubro de 2009

Vale João Viegas

O mais antigo documento de que temos conhecimento referenciando concretamente o Vale João Viegas, vale que atravessa toda a aldeia de Paço dos Negros, e que dá nome a uma rua, é de 1518. Contudo, pensamos poder estar este nome ligado a um tal João Viegas, cavaleiro, que no século XIII-XIV, ao tempo do rei D. Dinis, adquiriu em Santarém e seu termo, um vasto património fundiário.





«A Antão Fernandes almoxarife dos paços da ribeira de muja licença para que ele possa fazer umas moendas no Vale de João de Viegas e mercê de um chão aí junto para pomar este para sempre em fatiota. Rei.


D. Manuel, a quantos esta nossa carta virem, fazemos saber por querendo nós fazer graça e mercê a Antão Fernandes, nosso almoxarife dos Paços da Ribeira de Muja temos por bem e nos praz que ele possa fazer uns moinhos no Vale de João Viegas para moverem com as águas do dito vale os quais moinhos fará pelo dito vale acima dos quais Paços no lugar onde se melhor possam fazer abrindo sua levada e enxaguadoiro e açude e bem assim nos praz que mande fazer os ditos moinhos no dito vale, lhe fazemos mercê de um chão para nele fazer horta ou pomar ou que lhe bem vier o qual chão terá cento e vinte braças de comprido e de largo quinze dos quais moinhos e chão lhe fazemos mercê livremente enfiteuta com suas entradas e saídas e serventias logradouros pelos lugares onde não fizer dano sem deles nos pagar foro algum. Porém mandamos etc. em forma. Dada em a nossa vila de Almeirim aos vinte e três dias do mês de Janeiro Gaspar Gomes o fez de 1518 anos.»

trecho do Vale João Viegas actualmente entregue ao "deus-dará"



sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Paço dos Negros e a sua ligação ao Convento de Nossa Senhora da Serra



Eis um pouco da história religiosa da Ribeira de Muge. A ribeira desconhecida e ignorada e tão cheia de história. A ribeira dos moinhos seis vezes centenários e das belas e encantadoras paisagens. A ribeira que espera que a preservem enquanto é tempo:

Em 1560, por alvará real, a capela de S. João Baptista do Paço da Ribeira de Muge, ficou a cargo da Ordem dos Frades Dominicanos do Convento da Serra, conforme um extenso documento em Confirmações Gerais, livro 6, fol.312v-313v:

«Eu el-rei faço saber aos que este alvará de confirmação virem que por parte do prior e frades do mosteiro de Nossa Senhora da Serra da Ordem de S. Domingos, que está junto à vila de Almeirim, me foi apresentado em alvará do senhor rei D. Sebastião, meu sobrinho, que santa glória haja, passado por sua chancelaria, com três apostilhas, nele postas, de que o traslado de tudo é o seguinte: Eu el-rei faço saber aos que este alvará virem, que por a capela dos Paços da Ribeira de Muja estar ora vaga, por falecimento de António Valente, [António Valente que fora nomeado em 2-09-1551 ao tempo das longas estadias da rainha D. Catarina em Almeirim] …/…e serão obrigados a dizer na dita capela quatro missas por semana, e demais obrigações da dita capela…

O qual pagamento lhes assim farão de dia de S. João Baptista que passou deste ano presente de 560 em diante…/… confirmada em Lisboa a 20 de Fevereiro de 1597.»


Pelos séculos fora, vários actos foram acontecendo, tal como: «Em 1658 o Prior e Religiosos do Convento de NªSª da Serra recebem por alvará, 25$000 réis para comprar um macho, para nele irem os religiosos do Mosteiro à Capela de Paços de Muja dizer as missas Domingos e dias Santos.» R. G. de M., Vários Reis, liv. 1, fl. 192v.

Vinte e um anos após a nomeação do almoxarife Paulo Soares da Mota II, datada de 1769, foi extinto o almoxarifado do Paço dos Negros da Ribeira de Muge e doada a propriedade, da Ribeira até à Serra, a D. António Luís de Meneses da Casa de Atalaia e Tancos em 1790.

Todavia, após a saída da Fazenda Real, João Evaristo de Sá e Seixas, era almoxarife da Capela de S. João Baptista do Paço dos Negros da Ribeira de Muge. Tinha de ordenado 40.000 réis. Um documento de 4 de Julho de 1801 reza: “Este paço foi dado em Exmo. Marquês de Tancos e se conserva o ordenado ao dito almoxarife por ter a seu cargo a dita capela que existe».

Alguns registos existentes no magro espólio do extinto Convento de Nossa Senhora da Serra, existente na T.Tombo, confirmam ainda o relacionamento entre Convento da Serra e este almoxarife da Capela do Paço, depois da saída da Fazenda Real:

«Recebeu do guisamento da Capela dos Passos de 1808 e 1809, 12$000;
Hum brinde para o Almoxarife de Almeirim passar as certidões da Capela dos Paços, $440 réis, em Março de 1826;
Despesa de uma lembrança para o Almoxarife passar as certidões da Capela, 4$800, em Dezembro de 1826;
Despesa de uma mulher para varrer a Capela dos Passos nos 9 meses, $480 réis, em Junho de 1828;
Despesa para o novo selo de testação, que pagou o almoxarife da Capela dos Paços, $060 réis, em Maio de 1828;
Despesa de uma capa de oliado para se levar à Capela dos Passos, em Fevereiro de 1829.
Despesa de pagamento do reconhecimento de dois atestados do Almoxarife dos Passos, $080 réis, Maio de 1832».

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Medo e caciquismo

(Para memória futura)

M'ESPANTO ÀS VEZES, OUTRAS M'AVERGONHO
Sá de Miranda




Confesso que não me espanto nada. Vindo de onde veio, no dia em que veio, foi um convite ao regresso a um passado de mentira, de delação e de medo.

Mas que me avergonho, avergonho.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Mapa de Paço dos Negros


Mapa que foi elaborado na conclusão do aforamento e venda dos terrenos do Paço dos Negros. Foi executado por Paul Pinto de Araujo e Henrique Soares Rodrigues, no ano de 1933. É pertença da Família de Manuel Francisco Fidalgo. O original, de onde foi feita esta cópia está à guarda de um seu bisneto.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Paço da Ribeira de Muge - Da Aristocracia para o Povo

Estes documentos de algum modo completam as mudanças de titular por que passou o Paço da Ribeira de Muge, desde o século XVI até ao inicio do século XX.


RETIRADOS


segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Às vezes interrogo-me: porquê tanto empenho em destruir? Não se vê dos responsáveis políticos que governam a Câmara de Almeirim um acto que indicie conhecimento, respeito, intenção de preservação do nosso património histórico. Quando pensam estar a fazer alguma coisa, é manhosamente, falaciosamente, anunciado com trombetas em cima de um palanque. Será isto a ambição dos medíocres?


Antes não havia conhecimento de documentação sobre este Paço, era como se não existisse. Paço que foi grande, como grandes foram os seus frequentadores no século XVI.

E agora, a “barbárie” de Almeirim, faz de conta, ainda, que não existem, acelerando a destruição, porquê?

Ver as fotos do último post.



Construindo a História de Paço dos Negros – A saída da Fazenda Real


Certamente Frazão de Vasconcelos ao nos legar, em 1926, o primeiro estudo conhecido sobre Paço dos Negros, “O Paço dos Negros da Ribeira de Muge e os seus Almoxarifes”, como homem de cultura e de ciência, foi com a intenção de que os vindouros viessem a pegar nas suas investigações e continuassem a Obra. É isso que modestamente estamos a fazer.


Diz o Vasconcelos na página 4: «Não podemos averiguar quando a propriedade entrou na Fazenda Real. Talvez que anteriormente a El-Rei D. Manuel. Também não sabemos ao certo quando dela saiu. O último almoxarife, de que temos noticia, foi nomeado em 1769 [Paulo Soares da Mota]. Deve portanto, ter sido posteriormente a esta data que o Paço dos Negros passou para a ilustre casa dos condes da Atalaia. Por que forma? Ignoramo-la, nem a sabe o Sr., marquês de Tancos, representante daquela nobilíssima família, que correspondendo amavelmente ao nosso pedido de informações, nos disse ter havido em tempos uma troca de propriedades da sua casa por outras da Casa Real. Teria, nessa Ocasião, a Casa Real cedido o seu Paço dos Negros?»

No final, página 12: «Depois deste Paulo Soares da Mota não encontrámos outra nomeação de almoxarife do Paço dos Negros. Teria sido o último? Teria sido no seu tempo que o Paço e coutada saíram da fazenda real? Como já o dissemos na nota da página 4, não o podemos averiguar.»



Trecho de documento.




Baseado num carta de doação, de Março de 1790, da rainha D. Maria I a D. António Luís de Meneses. R.G.M D. Maria I, livro 20, e em um traslado de documentos originais, guardados na Torre do Tombo, A. D. de S., Juízo do Tombo nº 24, Livro dos Registos dos Tombos dos Bens da Real Coroa de Santarém, podemos desfazer a dúvida do Historiador e confirmar a data exacta da saída da Fazenda Real, do Paço dos Negros e terrenos confinantes, o local onde se efectivou e os seus intervenientes. Desfazem-se assim, ainda, dúvidas sobre a efectividade do exercício, durante 21 anos, do último Almoxarife, de nomeação real, Paulo Soares da Mota. Não só foi efectiva, como foi o próprio que deu posse ao novo titular na pessoa do seu representante:


«Auto de posse dos Paços dos Negros da Ribeira de Muja. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa, aos trinta dias do mês de Agosto do dito ano, neste Paço chamado dos Negros, termo da vila de Santarém, eu escrivão dos Paços da vila de Almeirim e Paço dos Negros, em companhia do almoxarife Paulo Soares da Mota, vim, sendo presente Manuel da Câmara procurador do Exmo. Marquês de Tancos D. António Luís de Meneses, o mesmo em cumprimento da carta de doação retro e por bem da sua procuração que apresentou, tomou posse mansa e pacificamente sem contradição de pessoa alguma do dito Paço dos Negros a sua pertença, abrindo portas fechando portas, tirando telhas e pondo telhas, e passeando por ele, deitando terra ao ar, arrancando ramos de ervas e árvores, dizendo tomava posse do mesmo paço e terreno por Sua Majestade haver feito deles perpétua doação ao Exmo. seu constituinte, o qual parte de Nascente José Henriques Figueira [actual Gagos], e de Norte com águas vertentes da Serra, e de Poente com D. Teresa, e de Sul com a Madre de Água e fazendas da mesma D. Teresa, e o dito almoxarife lhe houve por dada a posse do dito Paço e seu terreno o aval e corporal civil e natural, para o Exmo. Marquês de Tancos o ter e haver na forma da carta retro e de tudo mandei fazer este auto que assinei com o procurador apossado, e comigo Francisco Tridente de Faria Monteiro que o escreveu e assinou. Paulo Soares da Mota. Francisco Tridente de Faria Monteiro. Manuel da Câmara a folhas sessenta e seis verso. Pagou cento e vinte réis de selo.

Santarém, cinco de Outubro de mil oitocentos e treze.»


De salientar o curioso ritual de posse exercido pelo senhor Procurador Manuel da Câmara: abrindo portas fechando portas, tirando telhas e pondo telhas, e passeando por ele, deitando terra ao ar, arrancando ramos de ervas e árvore…



domingo, 25 de outubro de 2009

Bárbaros

Ia a passar junto ao Paço da Ribeira de Muge. Parei, ao rever tão degradante e criminoso espectáculo.








Fui para casa. E



Sem nenhuma razão,


O dia pôs a sua capa de tristeza;


E parece um senhor da Inquisição


Com hereges à sua mesa.


Veio-me à memória  Miguel Torga.

sábado, 24 de outubro de 2009

A Real Montaria




RETIRADOS

Estes monteiros mantinham uma certa unidade, dentro das montarias de Santarém, pois, no alvará de nomeação, onde na minuta padrão dos monteiros, está «e aos outros seus companheiros», encontramos por vezes, «e aos outros paceiros».

Artigo que saiu em 15-10-09 n'O Almeirinense.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Achegas para o conhecimento da História de Paço dos Negros.


igreja de Aruosa - Benin

1 - Carta do Rei. D. Manuel, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 19, n.º 62, feita em Almeirim:

Rui Leite mandamos vos que deis a Pedro Barroso homem preto que veio a nós com cartas do rei de Benin e um capuz e um pelote de pano de 200 reais o côvado, vermelho ou da cor que ele mais quiser e umas calças de gardalate de preço de 180 reais e um gibão de chamelote vermelho. E dai-lhe tudo feito e tirado da costura que lhe mandamos dar para se vestir e sem esperardes por folha por que assim houvemos pelo bem e por este alvará com seu conhecimento mandamos aos contadores que vo-lo levem em conta. Feito em Almeirim a 20 dias de Dezembro o secretário o fez 1515. E assim lhe dai também um barrete vermelho.

Rei


2 - Carta de Duarte Pires, emissário do Rei D. Manuel, ao Benin, participando ao rei a grande amizade que tinha com o rei de Benim. Que os padres que o rei tinha enviado baptizaram o seu filho e todos os grandes do reino. Com a notícia que tinham edificado um templo para o culto divino, C.C. parte 1, maço 20, nº 118:






O Mui alto e poderoso Rei e príncipe nosso Senhor, a que Deus acrescente seu estado real.

Senhor, saberá Vossa Alteza como Pedro Barroso me deu uma carta de V. Alteza, com que muito folguei por se V. Alteza lembrar de um tão pobre homem como eu sou; e agora dou conta a Vossa Alteza da carta que me mandou. Senhor quanto é o que dizeis que eu sou muito cabido com o rei de Benin, é mui grande verdade, porque el-rei de Benin quer bem a quem lhe diz bem de V. Alteza e deseja de ser muito vosso amigo e nunca fala em outra cousa se não em cousas de nosso Senhor e assim vossas e assim toma tão grande prazer e todos os seus fidalgos e suas gentes, o qual V. Alteza o saberá cedo e o bem que nos faz o rei de Benin e por amor de V. Alteza; e assim nos cata muita honra e nos põe a comer com o seu filho à mesa e nenhuma coisa de seu paço nos não esconde, se não tudo as portas abertas.

Senhor quando estes padres chegaram a Benin foi o prazer do rei de Benin tanto que o não sei contar e assim de toda sua gente; e logo mandou por eles e estiveram com ele um ano todo na guerra os padres e nós lhe lembrávamos a embaixada de V. Alteza e ele nos respondia que era muito contente dela, mas porquanto estava na guerra que não podia fazer nada até ir a Benin, porque para um tão grande mistério como este havia mester vagar; tanto que fosse em Benin ele cumpriria o que tinha prometido a V. Alteza e que ele faria com que desse muito prazer a V. Alteza e assim a todo vosso reino; e assim a cabo de um ano, no mês de Agosto, deu el-rei seu filho e assim os dos seus fidalgos os maiores que havia em seu reino, que os fizessem cristãos; e assim mandou fazer uma igreja em Benin e os fizeram logo cristãos e assim os ensinam a ler, de que V. Alteza saberá que aprendem muito bem; e assim senhor espera o rei de Benin de acabar este verão sua guerra e nos irmos para Benin e de tudo o que se passar darei conta a V. Alteza.

Senhor, eu Duarte Pires e Pedro Sobrinho morador na ilha do Príncipe e Gregório Lourenço, homem preto, criado que foi de Francisco Lourenço, e todos três estamos em serviço de V. Alteza e temos postas as cabeças por V. Alteza ao rei de Benin e dando-lhe conta de quão grande V. Alteza é e quão grande senhor o podeis fazer. Feita nesta guerra, aos 20 dias de Outubro da era de mil 516 anos.

Duarte +Pires



Talvez que estas duas interrelacionadas cartas, que retratam as boas relações entre o rei de Portugal e o rei do Benin, as conversões em massa e construção de igrejas que aconteceram nos anos de reinado do rei Esigie, e já de seu pai, Ozulua; nas quitações dos escravos do Paço da Ribeira de Muge onde aparece um Fernando Frade, homem preto, que anda na capela, com tratamento especial, associadas aos escritos contidos nos Papéis de S. Roque de Henrique Leonor Pina, em que Gil Vicente se deslocava ao Paço da Ribeira de Muge para colher as falas dos negros, às referências de Gil Vicente a um tal Furunando, a quem pergunta: Dize negro, és da corte?, mormente à fala do negro na peça Nau d’Amores, que não é propriamente fala própria de escravo, mas que com eles se mistura, Poro meu votare a mi vem, possam contribuir para se ir fazendo alguma luz sobre o desde sempre ignorado Paço dos Negros da Ribeira de Muge:

– Se bosso firalga é aqui

– a mi firalgo também

– fio sai de rei Beni

de quarenta que ele tem

a masa firalga é a mi.

– Pues senor qué hacéis acá?

– Poro meu votare a mi vem. Por minha vontade vim

Abre oio Purutugá Visitar (Olhar) Portugal

Bo tera que ele tem. É uma boa terra

Aqui muto a mi furugá. Aqui folgarei muito.



Nota – decifração de linguagem de Paul Teyssier, Librairie C. Klincksieck, Paris, 1959.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Paço dos Negros e Gil Vicente

Paço dos Negros e Gil Vicente


Em Paço dos Negros existe a lenda do Rei Preto. Um mistério. “Escravo” negro, mítica figura, homem rebelde, refilão, que maltratava os escravos, e que reivindicava para si o título de fidalgo. Rei Preto. É assim que o enigma persiste a par com a lenda, em Paço dos Negros.

O documento, CC, 1, mac. 40, fol. 53, reza que em 1528 foram feitos pagamentos pelo almoxarifado de Santarém: « E 42$670 rs. ao almoxarife dos paços da Ribeira de Muja e escravos e filhos deles. – E 2$580 rs. mais ao dito almoxarife pera mâtimêto de hû escravo além dos outros. – E 2$00 rs. mais ao dito almoxarife pera corregimêto das ferramenta e compras doutras novas, e para canas, fio, thamiça.- e 2$580 rs. mais ao dito almoxarife para mântimêto e vestido e calçado da mulher preta, com que casou Diogo Lopes, preto».


Em correlação com este, o documento, de 1529, CC, Parte 1, maç 43, doc 110, em cuja relação, os escravos [30] da Ribeira de Muge e filhos deles, receberam de acrescentamento [acrescentamento decerto ao doc de 1528, referido], de seu conduto e calçado, 6125 réis, que foram pagos ao almoxarife Luís da Mota. Neste documento, é Fernando Frade nomeado em separado, «…entrando aqui os 642 réis que Fernando Frade o dito tempo vence…»


Um outro documento, de 1530, CC, Parte 2, maç 163, doc 23, este referencia o mesmo “Fernando Frade, homem preto, que servia na capela [de S. João Baptista], do Paço da Ribeira de Muge”: «Fernando Frade, homem preto da Ribeira de Muge, por este mandado de Pedro Matela, contador em Santarém, recebe e assina o recebimento de 5 alqueires de azeite, pêra andarem [ele e outros] na capela dos Paços da dita Ribeira».


Analisando o livro de Henrique Leonor Pina, “Os papéis de S. Roque”. Uns papéis do século XVI, escritos por Simão Vinagre Rodrigues, de Almeirim, que vivenciou muito daquilo que deixou escrito nos “Papéis”, e sobre o Paço dos Negros e seus escravos, que viram a luz do dia apenas no século passado, diz: «eram escravos guinéus, vindos do reino de Benin. Viviam em casas de pau a pique, com paredes de caniços, tapadas de barro e telhados de espadana e junco»; parece-nos estar encontrada a chave do enigma.

Dos mesmos “Papéis”, continuo descrevendo o que nos transmite Henrique Leonor Pina: «Gil Vicente muitas vezes representou em Almeirim. Entre 1525 e 1527 ali permaneceu grande parte do seu tempo devido a febres. Ao ler as suas obras reconhece Simão as relações directas com Almeirim, embora Gil Vicente as finja noutros lugares. Falava com os negros da Atela, e foi um frequentador do Paço da Ribeira de Muge, que bem conhecia, por ali se deslocar para falar com os negros, os que estavam em Almeirim já não falam bem língua de preto, dos quais retirava o falar para as suas obras.»

Sobre este Paço Manuel Leyguarda, em El Calzadilha, un extremeno en la corte portuguesa, diz: «En este lugar en donde por entonces estuvo la residencia de ocio del monarca portugués aun se vislumbran los restos de una pequeña capilla y el recinto del patio interior, lugar en donde se cuenta que se representaron algunos autos de fe de Gil Vicente.»

Teria sido, sem dúvida, no Paço da Ribeira de Muge que encontrou um preto, de nome Fernando, moço da capela, a quem pediu que lhe rezasse o Padre-nosso e a Salve Rainha, que podemos ler em «O Clérigo da Beira». Salve-rainha que é um verdadeiro hino à vida no paço da Ribeira de Muge:

– Sabe a Regina*

mathoa misericoroda

nutra dun cego sável

até que vamos a oxulo filho degoa

alto soso peamos já frentes

vinagre quele quebraram em balde

ja ergo a quarta nossa

ha ylhos tue busca cordas

oculos nosso convento

e geju com muyta fruta ventre tu

ja tremens ja pias.

Seoro Santa Maria…


*Salve Regina, mater misericodiae Vita, du cedo et spes nostra, salve! Ad te clamamus, exules filii Evae. Ad te suspiramus gementes et flentes in hac lacrymarum valle. Eia ergo, advocata nostra illos tuos misericordos óculos ad nos converte. Et Jesum, benedictum fructum ventis Tui nobis, post hoc exilium, ostende. O clemens, o pia! o Dulce virgo Maria.


Em a Nau de Amores, a tragicomédia com que, em 1527, se recebeu em Lisboa a nova rainha Dona Catarina de Áustria, o negro vai ao encontro do que diz a lenda em Paço dos Negros, bem como o que nos revela Henrique Leonor Pina: invoca ser fidalgo, por ser um dos quarenta filhos do Rei do Benim: «Se boso firalga é aqui/a mi firalgo também/fio sai de rei Beni/de quarenta que ele tem/a masa firalgo é a mi.»


Penso que, finalmente, com o cruzamento dos documentos transcritos, a opinião dos estudiosos de Gil Vicente, e pelo que nos diz Manuel Leyguarda e Henrique Leonor Pina, pela boca de Simão, «de que fazendo-se passar nas Beiras, as obras bem poderiam passar-se em Almeirim», estará assim, definitivamente esclarecido quem é a figura do lendário Rei Preto, bem como o Negro com que Gil Vicente construiu alguns dos quadros das suas obras. São pois a mesma e única pessoa, Fernando Frade, Furunando, o lendário e rebelde Rei Preto do Paço dos Negros, um dos 40 filhos do rei do Benin, como na fala das peças o próprio se identifica; o «homem preto que andava na capela da Ribeira de Muge», que ficou para sempre ligado a Paço dos Negros.

Paço dos Negros mantém há cinco séculos a memória do seu “Rei Preto”, afinal o tão reivindicado como desconhecido Furunando de Gil Vicente. Pode pois, com legitimidade, reivindicar-se como lugar para sempre ligado à obra do grande Mestre do teatro português e constituir-se como centro de estudo da sua obra.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

História de Paço dos Negros – O Erro original

Sobre o Paço da Ribeira de Muge abateu-se nos últimos 170 anos, um muro de silêncio. Silêncio e esquecimento que foram os melhores aliados de toda a depredação de que continua a ser vítima, tanto de particulares como de entidades que têm o dever de o proteger e valorizar. Nestas incluindo aqueles que se dizem agentes de cultura.

Baseado em preconceitos, que não em documentos, se construíram ideias desvalorativas e erradas, propícias a todos os desmandos, logo a começar na data primordial.

Mostrando como se deu esse “pecado original”, transcrevo um curto excerto de uma longa Carta de Quitação, de 1517, em que se dá Diogo Rodrigues, almoxarife, por quite e livre pela boa conta que deu de todas as coisas que recebeu para a construção do Paço da Ribeira de Muge:
«Dom Manuel, etc. a quantos esta nossa carta virem fazemos saber que nós mandámos tomar conta a Diogo Rodrigues, nosso escudeiro, almoxarife dos nossos Paços da Ribeira de Muja, de todo o dinheiro que recebeu, e coisas que os anos passados de 511, 512, 513, 514, e despendeu para despesas das obras deles, e achou-se por bem da dita conta receber em dinheiro os quatro anos 3.343.805 reais, das pessoas abaixo …» Ch D. Manuel, Liv 9, f . 26v.






Carta esta que, ao ser copiada para a Leitura Nova, Livro 6, Místicos, 147, foi omitido o ano de 1511:





 Braamcamp Freire, entretanto, no Arquivo Histórico Português, 1903, transcreve da Leitura Nova e faz o seu juízo sobre a aparente contradição nas datas, “512, 513, 514”, acrescentando (sic) a quatro anos.



Frazão de Vasconcelos, por sua vez, publica em 1926, o muito divulgado «O Paço dos Negros e seus almoxarifes». Recorreu aos estudos de Braamcamp Freire.



Encontrando nós documentos que atestam o início da construção do Paço em 03 de Maio de 1511, bem como documentos de afectação de verbas logo nesse ano, procurámos o documento original, Ch D. Manuel, Liv 9, f . 26v, que não apenas o da Leitura Nova. Neste, sob um borrão, é notória a inscrição do ano de 1511:






Sob este pequeno borrão caído em cima de 511 (dxi), nada que as modernas técnicas do Photoshop não consigam ultrapassar.




terça-feira, 20 de outubro de 2009

O "pórtico" da vergonha e da ignorância


"Não quero saber se existiram homens antes de mim" - Descartes

Esta aversão revelada por quem,  ignorando o passado, despreza o devir da sociedade, está patente nesta imagem: O que é um valioso complexo histórico, quinhentista, ainda de pé, é representado escancarando a sua ignorância temática:" o pórtico".
O pórtico de quê? - Perguntará, logicamente, qualquer visitante que não seja burro.
A teimosia em manter o indicador, e não dar-lhe o seu verdadeiro nome e valor: Paço Real da Ribeira de Muge, desvalorizando o conjunto arquitectónico, que é património do povo de Paço dos Negros, (quiçá para melhor servir interesses pessoais), é confrangedora e reveladora do interesse dos nossos políticos concelhios em viverem rodeados e aplaudidos pela ignorância.

domingo, 18 de outubro de 2009

História - Ribeira de Muge no traçado das vias romanas

Para Mário Saa, investigador, em "As Grandes Vias da Lusitânia", a Ribeira de Muge é o traçado onde assenta o célebre itinerário romano de Antonino Pio.


Itinerário XIV de Antonino Pio:


Ab Olisipone [Lisboa]

Aritium Praetorium [Água Branca] XXXVIII Millium Passum*

Abelterium [Alter do Chão] XXVIII

Matusaro [Arronches] XXIIII

Ad Septem Aras [Campo Maior] VIII

Budua [Bótoa Espanha] XII

Plagiaria [Espanha] VIII

Emerita [Mérida] XXX


Mário Saa atribuiu o nome de Perbriga às villae de Vila Longa, pois que não estando referenciada no Itinerário de Antonino qualquer estação entre Olissipo (Lisboa) e Aritium Pretório, existe a referência de uma estação na Cosmografia do presbítero anónimo de Ravena, que Saa classifica como um decalque do próprio Itinerário de Antonino. Segundo Saa, o Ravenato apresenta as civitates pela mesma ordem itinerária das mansiones de Antonino, os mesmos elencos mansionais, com leves alterações de forma e, apesar de não apresentar as distâncias, completam-se.


Mapa de Ravena:


4 Plagearia

5 Massusaria

6 Abelterium

7 Aretio pretorion

8 Perbrigam


A situação relacional das coordenadas geográficas, à época,  Lisboa (-5º 10º; 40º 15º), e Perbrigam (-5º 40º; 40º 30º), levam Saa, com lógica, a situar esta na foz da ribeira de Muge, em Vila Longa-Porto Sabugueiro.




O traçado de suaves declives da Ribeira de Muge, mede a distância de 61 quilómetros, o que corresponde às primeiras 38 millium passum do Itinerário de Antonino, de Porto Sabugueiro, até Aritium Praetorium (Água Branca), bem como confirma os restantes troços do Itinerarium.

* Milha romana, cerca de 1580 metros


Continuaremos este tema.

Escritura do Paço da Ribeira de Muge


RETIRADO


Trecho de traslado de uma extensa carta de 8 páginas, Escritura do Paço, datado de 3 de Maio de 1511:


«Título de uma carta porque Francisco Palha fez por doação a El rei nosso senhor de uns chãos na ribeira de Muja, onde ora sua alteza manda fazer uns Paços.

Em nome de Deus ámen....»


RETIRADO

sábado, 17 de outubro de 2009

DESCUBRA AS DIFERENÇAS

Veja as diferenças existentes no Paço da Ribeira de Muge em 1920 e na actualidade. Não, não está a ver mal, é mesmo um telhado de zinco e uma casa de banho no meio do Pátio.