Paisagem da Ribeira da Calha do Grou ao Monte da Vinha-Salgueiral
Para quem não teve oportunidade de ler n'O Almeirinense, um conto das gentes simples desta região.
Era uma vez uma mulher que era caseira no Casal das Mulas, na ribeira da Calha do Grou. Naquele tempo era só carreiros, e ela nem carro nem bois, ia aviar-se a pé, ora à Lamarosa ora aos Paços.
Como a única volta que dava era ir à loja, arejava então a arca e arreava-se com as melhores roupas e com todo o oiro que tinha.
Um sábado de tarde, lá vai a senhora Maria, carreirinho fora, com o talego à cabeça, aviar-se aos Paços.
Na volta, quase noite, viu armar-se uma trovoada e ela tinha muito medo dos trovões. Mas como tinha pantado o cordão de oiro, e tinha ouviste dezer que a quem se agarrasse ao oiro as faíscas não faziam mal, que o oiro tinha assim um poder magnetio, a correr pelo meio dos sobreiros, quando vinha um relâmpo, agarrava-se ao cordão, vinha um trovão e agarrava-se aos brincos.
Depois escureceu rapidamente, começou a chover que Deus a dava, os relâmpagos eram coriscos, ainda longe de casa, sozinha, sem telheiro onde se acoitar, nem vivalma que lhe acudisse, diz que as faíscas acudiam aos sobreiros, olhou para um lado e para o outro, a ver onde se podia abrigar. Viu uma barreira alta, e esta tinha uma pequena cavidade por baixo das raízes de um sobreiro. A ver se não ficava sem fio enxuto, o chão a estremecer, uniu-se à barreira, cheia de medo. A tremer como varas verdes, meteu a cabeça dentro do buraco. Cada vez se agarrava mais às orelhas e ao cordão a ver se dava sorte de a trovoada passar.
Naquela altura os magalas vinham da estação de Santarém e galgavam esses caminhos todos a pé.
Por sorte ou por azar, um magala que vinha da tropa, mas como a chuva também molha magalas, os trovões eram cada vez mais fortes, viu estar aquela mulher com a cabeça metida no buraco, acoitou-se.
Quando sentiu que o chão tinha parado de estremecer, a mulher até lhe parecia que tinha estado a sonhar. Tirou a cabeça do buraco, olhou para o céu onde um sol envergonhado começava a espreitar. Ainda incrédula e atordoada, mas agradecida, disse:
Não sei se isto foi por Deus
Se foi por louvor de algum santo
Mas nunca houve uma trovoada
De que eu gostasse tanto.