terça-feira, 29 de janeiro de 2013

CONSTRUINDO A HISTÓRIA E A CULTURA

Neste trecho, Pedro Matela contador-mor de Santarém e Abrantes, pede ao rei que mande uma dúzia de escravos para a construção do Paço da Ribeira de Muge. Escravos estes que ficaram e que deram o nome à terra. Tem data de 22 de Abril de 1511. Com base neste documento pensamos acrescentar algo à Cultura de Paço dos Negros, nesta data histórica da terra, 22 de Abril.
«Outrossim senhor os servidores para servirem na dita obra por ser alongada de conversação hão-se trabalhosamente e por mor aviamento da obra me parece que será vosso serviço mandar a ela uma dúzia de escravos e eu mandarei mui bem cuidar deles e estarão na dita ribeira e servirão e forrarão dinheiro a vossa alteza por que posto que os que estavam em Almeirim fizessem pouco proveito e foram mal vendidos estes farão mais proveito e serão melhor vendidos quando vossa alteza mandar por que eu proverei em tudo como cumpre a vosso serviço.»
Folha do despacho
(curiosidade: na metade esquerda do doc., em baixo, pode ler-se “A el-rei nosso senhor” escrita invertida).
17  anexo Matela

sábado, 19 de janeiro de 2013

A minha guerra em paz, numa Terra que era uma promessa a acontecer

Porque um amigo (re) publicou na Net e porque de várias partes do país, por alguns Amigos, me chegou um feedback, e ainda porque o artigo do Correio da Manhã, resumido, talvez por falta de espaço, de algum modo não transmitiu toda a ideia subjacente, eis o artigo completo:
«A minha ida à guerra do Ultramar foi um pouco diferente dos dramas que o “Correio” tem apresentado, e que sempre leio, com respeito pelo sofrimento de tantos. Trabalhava “nas obras”, para mim foi o agarrar de uma oportunidade.
Eis o que recordo deste período que me fez alimentar o sonho e crescer para a vida:
Passei por Coimbra e Figueira da Foz, onde fiz a recruta e especialidade de condutor. Em Santarém veio a mobilização para integrar o Pelotão de Apoio Directo 9782. Um grupo de 52 especialistas em reabastecimento de peças, mecânica-auto, pintura, socorro de viaturas, carpintaria, armaria, soldadura de urnas, etc. Aguardámos o embarque de Março a Junho de 73, no Entroncamento, e depois em S. Margarida. Ali o nosso sargento Bastardo, homem culto, fazia umas palestras culturais. Era o início de um sonho.
Embarcámos em avião da TAP, no dia 23 de Junho. Recordo-me que nesse dia, havia festa na aldeia, triste, mal me despedia de minha mãe e, de motorizada, o velho caminho da estação de Santarém era novo, um sentimento feliz me invadia, o vento a bater na cara parecia voar nas nuvens. Inconsciente? Sonhador? Talvez.
Na manhã de 24 chegámos a Luanda. Aquele bafo ao sair do avião, o calor, aquele cheiro a África, marcou-me.
Estivemos até ao dia 29 no Grafanil. Tínhamos alguma liberdade de ver a Luanda moderna, sedutora, colorida, bem diversa de uma metrópole velha e vestida de negro. Ali se juntaram ao PAD alguns soldados africanos negros.
Fizemos 1050 kms de MVL (viaturas civis), até Henrique de Carvalho. Via-se um grande surto de progresso na cidade. Muitas gruas. As principais ligações estavam já asfaltadas, muitas estradas e pontes em construção.
Mas eram notórios aspectos positivos e negativos, um misto de integração e segregação: À chegada, quando da ocupação da camarata, faltavam colchões de espuma para os africanos. Foi um momento tenso. Estes reclamavam da discriminação na sua terra. Três soldados, representando o Portugal profundo na sua matriz cultural, coesão e diversidade, juntaram-se ao protesto dos africanos. Um da politizada Beja, com argumentos políticos, outro da religiosa Braga, de Joane, Famalicão, com argumentos religiosos, e este que escreve estas linhas, com argumentos humanistas e sociais.
E o comandante concertou com o Batalhão, e fez-se justiça aos autóctones sob o seu comando. Fiz amigos entre eles. No próprio PAD, em sala e horário dedicados, um furriel como professor, e alguns dos africanos fizeram o exame da quarta classe. Sinto orgulho de ter participado. Um deles veio a tirar a carta de condução.
Logo se apresentou um regimento de lavadeiros, um exército de rapazes dos quimbos, a troco de uns escudos, poucos, que lavava a roupa aos soldados.
Incentivado pelo nosso sargento, em Setembro realizava já o meu sonho, tinha aulas do 5º e 6º anos, na cidade; tendo concluído com exame em Março de 74, ao abrigo de regime militar. (seria o início de um longo processo que terminou mais tarde na U. Nova de Lisboa). Nas férias tirei a carta de condução de pesados. Matriculei-me no ano lectivo seguinte, mas o regresso antecipado, devido ao 25 de Abril, interrompeu este percurso.
Havia sempre torneios de futebol, motocross, cinema no cine- Chicapa, ou na Base Aérea, piscina ao domingo, “praia” nas quedas do rio Chicapa.
Claro que havia as saudades. Recordo-me das saudades que tinha das memórias da minha aldeia: do frio, da aguardente e das passas de figo. Hoje não teria saudades do frio, não.
Fiquei responsável pelo pronto-socorro e pela estação de serviço. Acompanhado de um furriel, um cabo e um soldado, que se revezavam, e o meu “amigo”, o velho Diamond, que consumia 50 litros de gasolina aos cem, e que operava num raio de 300 km, fazíamos serviços a civis, ou viaturas militares impossibilitadas de locomoverem até ao PAD para serem reparadas.
Várias vezes percorri as longas distâncias nas Lundas dos quiocos, tanto de dia como de noite. Tiros nunca ouvi. Sorte? Ou a paz dos diamantes da Lunda?
Nestas viagens, viam-se mulheres, crianças e velhos, errantes na sua própria terra, na margem das estradas, carregando os seus haveres, em longas distâncias que, dizia-se, era a estratégia da guerrilha, andar com a casa às costas, devido à fuga dos homens válidos para o outro lado da barricada, no território, ou para lá da fronteira, e a quem a tropa dava boleia, no que se dizia fazer parte da “acção psicológica”.
Mas a acção da tropa não era sempre assim tão nobre, quiçá aconteceram abusos destas mulheres, por militares. Envergonhei-me um dia, ao ver uma perseguição e debandada destas caminhantes, entre Cacolo e Henrique de Carvalho.
Certo dia numa paragem em Muriége, quando espoletávamos umas cervejas, surge, entre outros, um negrito de oito, nove anitos, tão meigo como despido, de olhos tristes, que mal sabia falar português. Era hábito estas crianças pedirem uma moeda “ao branco”. Prontifiquei-me a dar uma moeda, mas um deles não aceitou o gesto. Perguntei-lhe o nome: – Terra – respondeu o negrito.
Terra nome, naquele lugar, contexto e cultura, meditei, mas não apreendi o significado.
Terra, um nome que era uma promessa a acontecer em Angola?
Pouco tempo depois aconteceu o 25 de Abril.
No final de 74 assisti aos primeiros comícios, em paz, em Henrique de Carvalho.
Regressou todo o PAD a Luanda antes do Natal. Passámos mais de um mês na Luanda da linda baía e das belas praias, comprámos prendas, não vi violência na cidade. Regressou o PAD/9782, em avião da TAP, no dia 28 de Janeiro de 75, um dia que sendo uma promessa numa terra a acontecer, se tornou num dia fatídico para Angola: o dia em que tomou posse o primeiro governo formado pelos três partidos angolanos, o dia que, de algum modo, quiçá adiou a promessa daquele menino e começou um longo período negro de guerra civil.
Manuel Evangelista, 61 anos, casado, três filhos. Natural e residente em Paço dos Negros, Almeirim. Ex-Inspector-chefe de Trens e Revisão da CP. Reformado.
Estive em Angola de Junho de 1973 a Janeiro de 1975»
Nota: um grande abraço ao meu Amigo Veiga Trigo. Tu já não te lembrarás, mas eu recordo-me bem que foste tu o maior impulsionador para se fazer justiça aos soldados africanos, logo à chegada.
eis algumas fotos que não foram publicadas:
PAD COMPLETO, SEM OS AFRICANOS.
tropa definitivo
AO DOMINGO, NAS PISCINAS
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PARA MAIS TARDE RECORDAR
macaco h. carvalho 73
PRIMEIRO LUGAR NUM TORNEIO DE FUTEBOL. Árbitro: Veiga Trigo.
pad torneio 74 1º lugar
Paragem em Muriége, terra do negrito Terra.
muriege agosto 74
primeiro comício do MPLA em H. Carvalho, com alguns Amigos negros.
primeiro comício mpla H. Carvalho 1974