quarta-feira, 10 de março de 2010

Contos de Entre-Muge-e-Sorraia

As luvas de pele de ouriço


Nos anos 50 habitavam na Calha do Grou vários arroteadores. Muitos deles habitavam em barracas de tojo e carqueja e cobertas com palha de centeio. Entre eles, havia um que tinha uma filha e três filhos. Em certa altura um dos rapazes, de 16 ou 17 anos, começou a andar doente, com uma cara muito amarela, os vazios metidos para dentro, sempre cheio de frio, mesmo que fizesse calor ensamarrava-se todo, sempre com as mãos nos bolsos. Via-se-lhe o sol pelas orelhas.
Um dia a madrinha disse à mãe do rapaz: – ó comadre tens de levar o rapaz ao médico a Almeirim.
– Tenho lá dinheiro e estamporte para ir ao médico – respondeu a mãe do rapaz.
Um vizinho, chamado o Manel Preto, de alcunha o conquistador, porque com uma cara daquelas, tão bonita, já tinha tido 27 mulheres, mal morria uma entrava logo outra na barraca, a cama nunca lhe arrefecia, tinha dois burros, que utilizava no amanho das arroteias e então ofereceu um burro para levar o rapaz até Almeirim.
Albarda em cima do burro e lá foram.
Chegados a Almeirim, dirigiram-se a uma oficina de ferreiro, nos Areeiros, e perguntaram onde havia um médico para consultar o moço.
Indicaram-lhe o doutor Ernestino.
Chegados ao consultório, logo o doutor confirmou: – O rapaz está muito doente…
– Mas ó senhor doutor, não lhe recomende remédios da botica, porque eu não tenho dinheiro para os pagar.
O médico perguntou onde é que moravam e a mãe disse que moravam na Calha do Grou.
– Calha do Grou, uma boa zona, e há lá muitos ouriços – murmurou o doutor.
– Pois há senhor doutor – confirmou a mãe do rapaz.
– Então a senhora pode apanhar dois?
– Ah pois posso, que o meu home é caçador. E ó senhor doutor é para ele comer guizados ou assados? Que eu até sei fazer um guisadinho muito bom.
Não, não são para comer. Com as peles faz duas luvas para o rapaz usar de dia e de noite. Mas mais de noite que de dia.
E foi assim, com umas luvas de pele de ouriço, que o rapaz se curou e ainda hoje é vivo e são, e mora em Paço dos Negros.

habitante da Calha do Grou, anos 30