segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Grande História é Feita de Pequenas Histórias

En 2003, perante o que nos parecia uma indignidade no tratamento da História da minha Terra, publiquei n"o Almeirinense".



«Almeirim, uma História mal contada?

Que a cidade de Almeirim tem que contar ninguém duvida.
Outros mais conhecedores da cidade, dos seus problemas e das suas gentes, disso tratarão. Pretendo sim falar de história. Da História que é a deste nosso concelho:
Neste ano da graça de 2003, numa visita ao Paço da Ribeira de Muge, M, morador neste Paço, fazendo de cicerone a este pobre escriba, entre outras afirmações, asseverava: «...aqui é o túmulo do Rei Preto...»
Dois meses depois, a surpresa de ouvir da boca de Jesuína Fidalgo, neta de Manuel Francisco Fidalgo, que adquiriu o Paço ao conde de Azambuja, a frase atribuída a este, para seu bisavô Manuel Tomé Magriço: - «Tomé, isto não tem história daqui para trás, só para a frente. Vocês não encontram história para trás, só para a frente».
E continuava: «O rei tinha uma filha. Tinha um preto que era criado do rei. O preto mete-se com a princesa e engravida a princesa. Eles para ninguém saber que ela já tinha tido um filho, mandaram para aqui o preto degradado para criar o filho aqui. Para ninguém dar notícia. O rei tinha vergonha do neto preto. Era um escândalo para a alteza das outras nações. Quem contava a lenda disto, que o rei tinha escondido aqui o neto, era o conde o D. Manuel, que era o dono do Paço. É uma lenda mas é verdade. Depois criou-se aqui o preto. Depois ficou o Paço dos Negros».
Intrigado com as convictas afirmações, vou reler «O Paço dos Negros da Ribeira de Muge e os seus Almoxarifes», separata da publicação Brasões e Genealogias, de Frazão de Vasconcellos, publicação datada do ano de 1926, onde vemos a páginas 5: «Cremos que o Paço da Ribeira de Muge só se chamou dos Negros a partir dos fins do século XVI e que esta designação deve originar-se no facto de – no tempo del rei D. Manuel – para ali terem ido escravos negros que lá viveram e tiveram sucessão. O povo do sítio começou, certamente, a designar o Paço real por Paço dos Negros, para o distinguir de outro que junto da mesma ribeira havia, chamado Paço de Cima. Ao Paço dos Negros chamavam, e ainda hoje chamam, também, Paço de Baixo.
Em 1528 foram feitos os seguintes pagamentos pelo almoxarifado de Santarém, que confirmam, a nosso ver, o que acima dizemos;
« E 42$670 rs. ao almoxarife dos paços da Ribeira de Muja e escravos e filhos deles. – E 25$580 rs. mais ao dito almoxarife pera mâtimêto de hû escravo além dos outros. – E 2$00 rs. mais ao dito almoxarife pera corregimêto das ferramenta e compras doutras novas, e para canas, fio, thamiça.- e 2$580 rs. mais ao dito almoxarife para mântimêto e vestido e calçado da mulher preta, com que casou Diogo Lopes, preto».
(Torre do Tombo – Corpo Cronológico, P. J. M. XL. Doc. 53).

Perante o transcrito, pomos questões como:
Basear-se-ão as afirmações atribuídas ao conde de Azambuja na realidade?
Porquê permanece na memória do povo do lugar, a existência de um rei Preto?
Porquê “25$580 rs. mais ao dito almoxarife pera mâtimêto de hû escravo além dos outros”? Quem era este “escravo especial” que custava 25$580 rs?
Quem é este Diogo Lopes e esta mulher preta? Porquê, sendo escravos, tinham estes, direito a uma tença especial? Porquê, na descrição, separá-los dos restantes, apondo-os a seguir aos utensílios?
Seria a vinda de alguns nobres, para as caçadas, como é de bom tom referenciar, motivo bastante para a vinda de negros?
Teriam, outros Paços bem mais frequentados pela nobreza e pela própria corte, sido dotados, também eles, de servidores negros no século XVI?
Não seria a localização deste Paço, nos confins da Serra de Almeirim, quase inacessível nesta época, mas não demasiado afastado, um local propício para o desterro e abafamento de uma qualquer situação incómoda, que as novas descobertas e contactos, originavam?
As questões ficam no ar.

Precisa-se escavações. Historiadores, investigadores, cuja dúvida seja para eles um assalto permanente. Dos acomodados e escandalizados, já temos o suficiente.
Manuel Evangelista»
O Paço e Moinho em 2003




Visto do interior do Pátio em 2003