segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Os galegos, os barrões, os bimbos, os caramelos, os ratinhos e os gaibéus




Um conto de Entre Muge e Sorraia, esta região tão deserta e tão desconhecida, zona de muitos caseiros, boieiros, cabreiros, porqueiros, onde este conto foi recolhido:
A primeira metade do século XX foi a época do pão. Semeavam-se extensas áreas de trigo em todas estas charnecas de Entre-Muge-e-Sorraia.
Mas como nessa época não havia foices caseiras que chegassem para ceifar tanto pão, vinham segadores de outras regiões do país, das Beiras principalmente e, a esses trabalhadores os de cá alcunhavam-nos de nomes vários: galegos, barrões, bimbos, caramelos, ratinhos, gaibéus.
Uma safra, um caramelo que veio a ser alcunhado de João Aldrabão, veio lá de cima ceifar para Vicentinhos, depois casou com uma cachopa que morava na Calha do Grou e foram morar numa barraca num vale que, por isso se passou a chamar “Caramelo”; já casou por pensar que assim se livraria da fome, e resolveu cá ficar para sempre.
Uns anos depois, veio um grupo de ceifeiros da terra dele e vizinhas, para ceifar trigo no Salgueiral. Por acaso o João Aldrabão foi parar a essa ceifa. Então, alguns dos mais novos já não os conhecia, começou a perguntar sobre a sua parentela.
– Eu xou filho da ti Ana Cancaburrana e do ti Jaquim Ripolecas – respondeu-lhe um dos galegos.
O João Aldrabão ao ouvir aqueles nomes, largou a foice, abraçou-se ao outro a chorar: – Atão tu éje o meu irmão Jéi, porque eu também xou da Murteirinha e também xou filho da ti Ana Cancaburrana e do ti Jaquim Ripolecas.
– Então o noxo pai? Como está ele?
– O noxo pai está no xemitério da Murteirinha.
– Então o noxo pai morreu!
– Ele não morreu, foi Deus que o matou.
– Xó xe foi à traixão! Pois que cara a cara Deus não era homem para ele, porque o noxo pai era mui valente.
– E a noxa courela? A têm xemeado de trigo?
– Xim. Ainda o ano paxado deu o mijaneiro da noxa mana Ana, três vezes rajinho.
– E a noxa mana Rosa, deve já estar uma mulherjinha…
Está mui valente, mas danhou-xe.
– Atão ela morde na gente?
– Não, mas começa a roncar como os porcos, agarra-xe aos homens que nem com um pau cheio de zagarrunchos xe dejapega.
Nesse grupo andava um ceifeiro dos Paços, de alcunha o Até Gozas, por sinal amigo de trunfar a cachorra; ao saber do parentesco do galego com o Aldrabão, a meter a pichinha, disse para o irmão do João Aldrabão:
– Ó gaibéu, ê tenhe ouviste dezer que bocêses qande vãim ceifari p’ó Ribateijo deixum a mulher intregue ó padre.
– Nã xinhor. A gente quando vem ó Ribatejo leva a mulher ó xapatero, e ele coge-lhe a paxaxa com uma linha de xapatero. E a ponta que crexe a gente mete-lha no cu.
– Ó raio!...
E o ribatejano gozão, queimou-se, até deu dois pulos: – Vá meter a ponta no cu dos filhos da ti Ana Cancaburrana!