terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Os pássaros que não falavam espanhol

Esta vai dedicada especialmente aos meus amigos ferroviários.


O Zé Bernardo, maquinista, morava no Entroncamento. Tinha as suas manias. A mania que era ciclista era uma delas. Comprou até uma boa bicicleta de corrida, coisa cara na época. Vestia-se a rigor e de vez em quando, que os turnos do pessoal itinerante também não davam para mais, era vê-lo por aí, a dar nas vistas, a pedalar na sua bicicleta.
Quando era a Volta a Portugal, ele sabia a que horas é que passavam os corredores aqui por perto, aí meia hora antes surgia, feliz, qual Alves Barbosa, a correr isolado à frente do pelotão. Havia até quem o aplaudisse, confiando que era um fugitivo.
Era meio maluco, meio estarola este Zé Bernardo.
Nas horas vagas apanhava pássaros. Ainda que pouco, era exercício que rendia algum dinheiro vendendo-os a uns passarinheiros de ao pé da porta. Um dia experimentou vendê-los em Espanha, onde ia frequentemente em serviço. Uma mina.
Como só os pardais vinham poisar-lhe à porta, e pela falta de tempo, ele desabituou-se dos pintassilgos, e pensou em apanhar pardais. Não havia árvore ou telhado que lhe escapasse. Depois era só pintá-los.
Para quê perder horas e horas à espera dos pintassilgos, dos verdelhões, dos tentilhões, ali nos descampados de Mato Miranda, de Vale Figueira, se qualquer ramalhuda árvore dentro da vila era um céu aberto de pardais?
A mulher quando soube da ideia, ainda tentara demovê-lo: – Quero ver como é que fica essa pintura! – desafiava a mulher.
Mas qual quê. Os espanhóis, esses sim, pagavam bem. Estava decidido. Até porque o contrabando do bacalhau já se fora, o do café já tivera melhores dias. Era negócio já muito acomodado. Não havia cão nem gato que, debaixo do sobretudo, não passasse o seu saco de café. Até a Guarda-fiscal já fazia vista grossa.
Caçava pois Zé Bernardo os pardais e depois em casa pintava-os. Muito imaginativo, conseguia ver neles diferentes tamanhos, os quais coloria da cor dos verdelhões, dos tentilhões, dos pintassilgos e até dos canários.
Já estava a imaginar a próxima viagem para Badajoz. Bem sortido, um verdadeiro arco-íris de cores, não chegariam para as encomendas.
A Guarda-fiscal de Elvas bem podia afinar a vista e o ouvido que, os pássaros, esses, tinham o canto bem abafado pelo barulho dos motores. Era bem fintada!
O negócio era feito no cantão das manobras, sítio escuro, que a Guardia Civil franquista não era para brincadeiras.
Logo na primeira viagem após a descoberta do grande negócio, preparado para repetir a façanha, ele a chegar e os espanhóis descontentes com o ajuste anterior, a prova ali à mão, uns escuros e tristes pardais dentro de uma pálida gaiola, já estavam à sua espera:
– Mira portugués, los pájaros están perdiendo el color.
Por esta surpresa é que não esperava Zé Bernardo. Mas não se atrapalhou.
Teve ainda tempo de inventar: – Ha sido del cambio. Los pássaros españoles no le gustan de las mesmas colores de los portugueses. Eles ainda não conocen las colores espanholas – respondia numa mistura de portunhol.
– Pero, los canarios no cantan – insistiam os espanhóis.
– É que os pássaros ainda levam algum tempo a aprender a falar espanhol.