igreja de Aruosa - Benin
1 - Carta do Rei. D. Manuel, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 19, n.º 62, feita em Almeirim:
Rui Leite mandamos vos que deis a Pedro Barroso homem preto que veio a nós com cartas do rei de Benin e um capuz e um pelote de pano de 200 reais o côvado, vermelho ou da cor que ele mais quiser e umas calças de gardalate de preço de 180 reais e um gibão de chamelote vermelho. E dai-lhe tudo feito e tirado da costura que lhe mandamos dar para se vestir e sem esperardes por folha por que assim houvemos pelo bem e por este alvará com seu conhecimento mandamos aos contadores que vo-lo levem em conta. Feito em Almeirim a 20 dias de Dezembro o secretário o fez 1515. E assim lhe dai também um barrete vermelho.
Rei
2 - Carta de Duarte Pires, emissário do Rei D. Manuel, ao Benin, participando ao rei a grande amizade que tinha com o rei de Benim. Que os padres que o rei tinha enviado baptizaram o seu filho e todos os grandes do reino. Com a notícia que tinham edificado um templo para o culto divino, C.C. parte 1, maço 20, nº 118:
O Mui alto e poderoso Rei e príncipe nosso Senhor, a que Deus acrescente seu estado real.
Senhor, saberá Vossa Alteza como Pedro Barroso me deu uma carta de V. Alteza, com que muito folguei por se V. Alteza lembrar de um tão pobre homem como eu sou; e agora dou conta a Vossa Alteza da carta que me mandou. Senhor quanto é o que dizeis que eu sou muito cabido com o rei de Benin, é mui grande verdade, porque el-rei de Benin quer bem a quem lhe diz bem de V. Alteza e deseja de ser muito vosso amigo e nunca fala em outra cousa se não em cousas de nosso Senhor e assim vossas e assim toma tão grande prazer e todos os seus fidalgos e suas gentes, o qual V. Alteza o saberá cedo e o bem que nos faz o rei de Benin e por amor de V. Alteza; e assim nos cata muita honra e nos põe a comer com o seu filho à mesa e nenhuma coisa de seu paço nos não esconde, se não tudo as portas abertas.
Senhor quando estes padres chegaram a Benin foi o prazer do rei de Benin tanto que o não sei contar e assim de toda sua gente; e logo mandou por eles e estiveram com ele um ano todo na guerra os padres e nós lhe lembrávamos a embaixada de V. Alteza e ele nos respondia que era muito contente dela, mas porquanto estava na guerra que não podia fazer nada até ir a Benin, porque para um tão grande mistério como este havia mester vagar; tanto que fosse em Benin ele cumpriria o que tinha prometido a V. Alteza e que ele faria com que desse muito prazer a V. Alteza e assim a todo vosso reino; e assim a cabo de um ano, no mês de Agosto, deu el-rei seu filho e assim os dos seus fidalgos os maiores que havia em seu reino, que os fizessem cristãos; e assim mandou fazer uma igreja em Benin e os fizeram logo cristãos e assim os ensinam a ler, de que V. Alteza saberá que aprendem muito bem; e assim senhor espera o rei de Benin de acabar este verão sua guerra e nos irmos para Benin e de tudo o que se passar darei conta a V. Alteza.
Senhor, eu Duarte Pires e Pedro Sobrinho morador na ilha do Príncipe e Gregório Lourenço, homem preto, criado que foi de Francisco Lourenço, e todos três estamos em serviço de V. Alteza e temos postas as cabeças por V. Alteza ao rei de Benin e dando-lhe conta de quão grande V. Alteza é e quão grande senhor o podeis fazer. Feita nesta guerra, aos 20 dias de Outubro da era de mil 516 anos.
Duarte +Pires
Talvez que estas duas interrelacionadas cartas, que retratam as boas relações entre o rei de Portugal e o rei do Benin, as conversões em massa e construção de igrejas que aconteceram nos anos de reinado do rei Esigie, e já de seu pai, Ozulua; nas quitações dos escravos do Paço da Ribeira de Muge onde aparece um Fernando Frade, homem preto, que anda na capela, com tratamento especial, associadas aos escritos contidos nos Papéis de S. Roque de Henrique Leonor Pina, em que Gil Vicente se deslocava ao Paço da Ribeira de Muge para colher as falas dos negros, às referências de Gil Vicente a um tal Furunando, a quem pergunta: Dize negro, és da corte?, mormente à fala do negro na peça Nau d’Amores, que não é propriamente fala própria de escravo, mas que com eles se mistura, Poro meu votare a mi vem, possam contribuir para se ir fazendo alguma luz sobre o desde sempre ignorado Paço dos Negros da Ribeira de Muge:
– Se bosso firalga é aqui
– a mi firalgo também
– fio sai de rei Beni
de quarenta que ele tem
a masa firalga é a mi.
– Pues senor qué hacéis acá?
– Poro meu votare a mi vem. Por minha vontade vim
Abre oio Purutugá Visitar (Olhar) Portugal
Bo tera que ele tem. É uma boa terra
Aqui muto a mi furugá. Aqui folgarei muito.
Nota – decifração de linguagem de Paul Teyssier, Librairie C. Klincksieck, Paris, 1959.