Aos amigos que têm a paciência de vir aqui de vez em quando, dedico um antigo e rude conto de Natal das gentes da minha terra.
Os meus votos de um Natal de Cristo, puro, e de um ano de 2012 com muitas forças e nada de hipocrisias.
Os ladrões e os bailes do Natal (ou os roubos no tempo em que os animais falavam)
Era uma vez um gato e um galo. Era nas vésperas de Natal. O galo viu a dona estar a afiar as facas. O gato por sua vez ouviu a dona estar a dizer que era guloso, que o punha de almargia. Desconfiados, agarraram em si, foram correr mundo.
Viviam numas grandes charnecas. Ao chegarem a uma encruzilhada, havia ali uma taberna, pararam para beber um copo e para retemperar forças. Sentaram-se. Estava lá um cão e um burro, e logo os convidaram para irem com eles correr mundo, e vá de descobrirem as razões de cada um.
– A minha dona, se não me venho embora, matava-me este Natal. Todos os anos o almoço de Natal é galo com massa de meada. – revelava o galo.
– E a minha queria meter-me dentro de uma saca e pôr-me de almargia; diz que eu sou guloso – confessava, por sua vez, o gato.
Seguiram estrada fora, os quatro da vida airada. Lá adiante, já era noite escura, iam cheios de fome, de frio, e cansados, e não viam onde pernoitar. Diz o burro: – Ó camaradinhas, que saudades do quentinho do palheiro, aonde é que a gente agora vai passar a noite de Natal com algum aconchego? Qual é de vocês que é capaz de ir acima de um pinheiro a ver se vê uma luz?
– Subo eu – diz o gato logo a afiar as unhas. Olhou em volta e viu lá longe, muito ao longe, uma luzinha muito pequenina.
Seguiram, guiados na direcção dessa luz que brilhava na noite. Ao chegar, espreitaram pelo buraco da fechadura. Estava uma velha a fazer as filhoses do Natal. Tinha a porta trancada com medo dos ladrões, pois eram uns casais muito atacadiços dos ladrões.
Diz o burro: – Qual de vocês é que é capaz de ir acima da casa, descer pela chaminé e roubar umas filhoses à velha.
– Sou eu – prontifica-se o gato.
Sobe pela chaminé, estava a roubar as filhoses, e diz a velha ao sentir ali um gato: – Tze-ta gato, que eu sou cega de um olho e piscareta do outro!
Voltou o gato para junto dos camaradas, e dividiram irmãmente a colheita. Mas a cada filhós que a velha acabava de fritar, lá estava o gato lesto a roubar-lha, e a velha a rosnar: – Tze-ta gato, que eu sou cega de um olho e piscareta do outro!
E mais uma vez, e outra vez, e mais uma filhós e outra filhós, e a velha sempre a recriminar: – Tze-ta gato, que eu sou cega de um olho e piscareta do outro!...
Quando acabou de fazer as filhoses, vai a velha piscareta a apalpar o alguidar não tinha nada lá dentro.
– Bela consoada que a gente teve, camaradas! – concordavam lá fora, os quatro da vida airada.
Estava um frio de rachar, ceado já tinham, o melhor era pedirem cómodo à velha. Assim fizeram. Bateram à porta, a velha ficou muito agradecida por já ter companhia na noite de Natal, que andavam ali ladrões.
O burro ficou a dormir atrás da porta, o gato aninhou-se ao borralho, o cão enroscou-se debaixo da mesa e o galo dormia empoleirado na trave.
Nessa noite de Natal os ladrões resolveram assaltar a casa da velha para roubar-lhe o dinheiro. Arrombaram a porta, o gato com o barulho acordou, arremelgou os olhos, e diz um dos ladrões: – A velha ainda aqui tem duas brasinhas acesas, venham aquecer-se!
Diz outro: – Vamos fazer um baile!
Diz outro dos ladrões: – Vou acender um cigarro –. Puxou de um cigarro para acender nos olhos do gato. O gato assanha-se, fila-se a ele, arranhou-lhe a cara toda; salta-se o burro lá de trás da porta, aos coices, deixou-os todos escavacados; sai-se o cão de debaixo da mesa a morder-lhes as canelas; solta-se o galo de cima da trave às bicadas. A velha estava muito contente, nunca tinha visto um baile assim: A velha bailava, o galo cantava, o cão ladrava, o gato miava, o burro zurrava. E assim se livraram dos ladrões.
Conto recolhido em Paço dos Negros