AS BRINCADEIRAS
A
Festa e o Sagrado de Transgressão
Dependentes de uma
agricultura cujos métodos de exploração eram rudimentares, a mourejar do sol-fora ao sol-posto, as pessoas na
aldeia vivem muito ligadas à Natureza. Existia uma sacralidade cósmica na
relação das pessoas com a Natureza. A própria festa em comunidade rural, onde a
agricultura de subsistência convive com o pequeno assalariato agrícola, por
vezes sendo estas categorias assumidas pela mesma pessoa, decorre em função dos
tempos sociais e do calendário religioso.
As Brincadeiras,
ajuntamento anual, desfile de cultura popular, aparentando ser um mero encontro
profano, mais não era que a criação, o reconhecimento de um tempo e um espaço
diferenciados. O espaço temporal em que decorrem os festejos torna-se, para o
povo, um espaço inscrito no tempo, tempo que é um tempo cíclico, inviolável,
que aguardam ano após ano. O espaço físico sendo um espaço secular é para estas
multidões rumorosas e festivas ocupado como um espaço simbólico sagrado. Povo
habituado ao sofrimento, quando não à fome, sendo dois meios-dias de jejum, não há lugar sequer para a comida e a bebida, muito menos os
seus excessos. Era assim criado um tempo e um espaço fortes em que as cantigas e
os jogos campestres são claramente os elementos aglutinadores do grupo social
que é a aldeia.
São pois estes rituais
festivos campos de significação pelos quais a aldeia se comunica e se
relaciona. O tempo da festa é vivido como um tempo mítico, o regresso a um
passado primordial e imaginário, como que uma evocação e imitação de todos os
que os precederam, rompem com as preocupações da vida quotidiana. As
recordações de festas passadas e a expectativa das que hão-de vir, são memória
e desejo, no qual as pessoas se sentem felizes.
Cantava-se e brincava-se sem parar. Um dos jogos era A Biloa.
Um grupo jovens,
raparigas e rapazes, normalmente eram duas raparigas com as mãos agarradas
fazem um arco. O restante grupo, em fila, agarrados pelos ombros, com a mãe à
frente, vão passando, sucessivamente, por baixo do arco, enquanto cantam. Ao chegarem junto do arco, imploram, cantando:
Eu peço ao senhor barqueiro
Se me deixava passar
Tenho filhos pequeninos
Não os posso sustentar.
As duas raparigas que fazem de barqueiro, respondem
enquanto a fila vai passando:
Passará não
passará
Mas algum cá
deixará
Se não for a
mãe da frente
Há-de ser o
filho de trás.
Perguntam, em segredo, ao último da fila, que impedem de passar:
queres o sol ou queres a lua? Ou: queres a laranja ou o limão?, etc. Consoante
a escolha, vão-se colocando, ora de um lado, ora do outro.
No final os cada grupo, agarrados, fazem o jogo da corda queimada. Ganha o grupo que conseguir arrastar
o outro.