quinta-feira, 24 de março de 2016

Recordações de Quinta-feira-santa

AS BRINCADEIRAS

A Festa e o Sagrado de Transgressão

Dependentes de uma agricultura cujos métodos de exploração eram rudimentares, a mourejar do sol-fora ao sol-posto, as pessoas na aldeia vivem muito ligadas à Natureza. Existia uma sacralidade cósmica na relação das pessoas com a Natureza. A própria festa em comunidade rural, onde a agricultura de subsistência convive com o pequeno assalariato agrícola, por vezes sendo estas categorias assumidas pela mesma pessoa, decorre em função dos tempos sociais e do calendário religioso.
As Brincadeiras, ajuntamento anual, desfile de cultura popular, aparentando ser um mero encontro profano, mais não era que a criação, o reconhecimento de um tempo e um espaço diferenciados. O espaço temporal em que decorrem os festejos torna-se, para o povo, um espaço inscrito no tempo, tempo que é um tempo cíclico, inviolável, que aguardam ano após ano. O espaço físico sendo um espaço secular é para estas multidões rumorosas e festivas ocupado como um espaço simbólico sagrado. Povo habituado ao sofrimento, quando não à fome, sendo dois meios-dias de jejum, não há lugar sequer para a comida e a bebida, muito menos os seus excessos. Era assim criado um tempo e um espaço fortes em que as cantigas e os jogos campestres são claramente os elementos aglutinadores do grupo social que é a aldeia.
São pois estes rituais festivos campos de significação pelos quais a aldeia se comunica e se relaciona. O tempo da festa é vivido como um tempo mítico, o regresso a um passado primordial e imaginário, como que uma evocação e imitação de todos os que os precederam, rompem com as preocupações da vida quotidiana. As recordações de festas passadas e a expectativa das que hão-de vir, são memória e desejo, no qual as pessoas se sentem felizes.

Cantava-se e brincava-se sem parar. Um dos jogos era A Biloa.
Um grupo jovens, raparigas e rapazes, normalmente eram duas raparigas com as mãos agarradas fazem um arco. O restante grupo, em fila, agarrados pelos ombros, com a mãe à frente, vão passando, sucessivamente, por baixo do arco, enquanto cantam. Ao chegarem junto do arco, imploram, cantando:

Eu peço ao senhor barqueiro
Se me deixava passar
Tenho filhos pequeninos
Não os posso sustentar.

As duas raparigas que fazem de barqueiro, respondem enquanto a fila vai passando:

Passará não passará
Mas algum cá deixará
Se não for a mãe da frente
Há-de ser o filho de trás.

Perguntam, em segredo, ao último da fila, que impedem de passar: queres o sol ou queres a lua? Ou: queres a laranja ou o limão?, etc. Consoante a escolha, vão-se colocando, ora de um lado, ora do outro.
No final os cada grupo, agarrados, fazem o jogo da corda queimada. Ganha o grupo que conseguir arrastar o outro.