sexta-feira, 4 de julho de 2014

Conde da Alemanha - Jesuina Vitória



Jesuína Vitória partiu... Fechou-se uma biblioteca.

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Que o povo de Paço dos Negros saiba ser digno do legado cultural que esta Mulher da Ribeira de Muge nos deixou. Uma das mulheres que, até esta data, no nosso país mais tinha em memória a nossa genuína e rica cultura ancestral.

Até um dia minha Amiga. Um dia faremos a festa que te é devida.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

D. Sebastião, o Rei Preto e o Paço dos Negros

Como descendente, estudioso e herdeiro do nosso grande Rei Preto do Paço da Ribeira de Muge, e da sua tradição, do livro Contos do Rei Preto, ofereço aos que tiverem a paciência de ler, um pouco do que ficou escrito em documentos, e inscrito na memória do povo, dos tempos em que D. Sebastião frequentava este Paço, e estas charnecas, nas suas caçadas e fugas de si próprio. Daí à perda da independência foi um pequeno passo:

O Rei Preto, o Real Bando e Alcácer-Quibir


"Banco do rei Preto"

É da história que o rei D. Sebastião, estando em Almeirim, quando lhe acudiam uns ataques de merencoria, fugia à rainha D. Catarina, sua avó, e refugiava-se no Paço da Ribeira. Só ali, ou no Convento da Serra, julgava mitigar os seus tormentos.
Cultivando a destreza e valentia, o reizinho Desejado passava os dias em caçadas e montarias, sempre com o desígnio da peleja que idealizava travar com os infiéis.
Desde que aos doze anos, não completos, nas matas da Ribeira de Muge matara o seu primeiro javali, salvando de uma morte certa o seu aio D. Aleixo de Meneses, e cada vez mais bajulado o reizinho, por uma corte ociosa, servil e aduladora, julgava-se um predestinado; não escutando ninguém, escolhia passar os dias em caçadas e montarias nas charnecas dos Paços da Serra.
Quebrantado, os físicos não atalhavam as suas maleitas, os achaques febris eram constantes, lazerando enfermo recusava-se a comer; os cozinheiros porfiavam que comesse, mas o rei no seu ascetismo ia refugiar-se na capela de Santa Maria de Almeirim, na Real Capela de Nossa Senhora da Graça do Paço dos Negros, ou ia esconder-se do mundo, que jurava salvar, jejuando, junto dos frades do convento da Serra.
Era grande o sofrimento de alma do reizinho; não lhe bondavam as moléstias do corpo, sofria de um vergonhoso e secreto corrimento no órgão varonil, que, dizia-se à boca pequena, ter sido contraído ali junto dos negros, causado por uma insidiosa rameira, em noite de descomedida festança; mas sempre sonhando e cultivando o exercício físico, na teimosia de levar a gloriosa expedição às praças de Marrocos.
O Rei Preto sonhava voltar a África, mas não para fazer uma guerra que, à excepção do Real Bando de aduladores ninguém queria, pois era ver perecer o “Espírito de Almeirim”, e que anunciava mergulhar o país numa tragédia.
O Rei Preto não suportava estes bandos de louvaminheiros que enxameavam o Paço da Ribeira e o desrespeitavam; tratava-os de os beijaculos: Alteza sá mi, fio de reio, sá camarilha de beijaculo que só acá vem poro enchê pança. Um dia o seu aio, já velho de muitas cãs, doente, não pôde acompanhar o rei a fazer montaria. Quando o alienado reizinho, muito entusiasmado, corria atrás de um javardo, todos o deixaram, sozinho, a perseguir o animal por entre montes e vales. Quando o insensato Bastião desistiu da presa, sentiu a antecipação do seu Alcácer-Quibir: estava só, abandonado e perdido no meio de um matagal. Todo o seu Real Bando, que o que queria era encher a pança, nada fizera para encontrá-lo, apenas o Rei Preto, que não pertencia ao Bando Real, ficou para o apoiar. Eis o que desta caçada ficou registado pelo Padre Amador Rebelo:

«…Não tomando o caminho, ele e um fidalgo que com ele estava, subiram a um monte, e avistando um pastor com suas cabeças de gado, este lhes indicou o caminho para Almeirim, longe que estavam. Como apertava a fome com el-rei, era tarde e não tinham jantado (almoçado), disse para o pastor, tendes aí um pedaço de pão que me deis? O pastor respondeu que só um muito duro e preto, que não é para vossa mercê, que não conhecia el-rei. O rei pediu que o partisse com ele, e o comeu com tanto gosto, que disse depois que nunca em toda a sua vida comera coisa que melhor lhe soubesse.»

Sabendo-se que Alcácer-Quibir foi a morte do “Espírito de Almeirim”, ficou assim provado que os aduladores de todos os tempos são causa de morte dos que pretendem glorificar e, com eles, do próprio povo. Para o povo, mais realista e menos idealista, e que come o pão que o diabo amassou, foi apenas tirada a prova real dos aforismos populares: "Viva a fartura que a fome ninguém a atura", ou estoutro: "Não há nada como a fome para dar sabor ao pão às secas".


Nota: Não será verosímil a afirmação do Padre Amador Rebelo de que “este lhes indicou o caminho para Almeirim, longe que estavam” pois, geograficamente, estando na vertente da serra voltada ao Tejo, Almeirim (mais a fronteira Santarém), são próximas e visíveis em toda a extensão da cordilheira; estando em local ermo no interior da ribeira de Muge, ou dos Grous, ou outro, o local mais próximo onde poderiam encontrar apoio seria o seu Paço da Ribeira de Muge.